A VIDA PELA PÁTRIA
Sérgio Pinto Monteiro*
A Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra no Estado do Ceará recebe do ilustre General-de-Exército R-1 José Benedito de Barros Moreira, antigo comandante da Escola Superior de Guerra este texto do renomado historiador e Oficial da Reserva do Exército, Sérgio Pinto Monteiro abordando, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, Patrono da Nação Brasileira.
Rio de Janeiro, manhã de sábado, 21 de abril de 1792. Às onze horas e vinte minutos, depois de penosa caminhada, sob um sol rigoroso, pelas principais ruas do centro, o Alferes José Joaquim da Silva Xavier, subiu, sem medo, o patíbulo erguido no Campo da Lampadosa, atual Praça Tiradentes. Como demorasse a morrer, o carrasco, um criminoso comum, montou-lhe nos ombros para abreviar o seu fim. Segundo a sentença, Tiradentes, único executado entre os Inconfidentes, seria enforcado, decapitado e esquartejado. Com o seu sangue, lavrou-se uma certidão de que fora cumprida a pena. Sua cabeça apodreceu dentro de uma gaiola em Vila Rica. Os quatro quartos, conservados em salmoura, foram colocados em postes, ao longo do Caminho Novo, na Capitania de Minas Gerais, onde o Alferes fazia as “infames prédicas” pela liberdade de nossa pátria. Seus bens foram confiscados, as casas em que morara, arrasadas e salgadas, para que nunca mais, naquele chão, algo germinasse.
Joaquim José da Silva Xavier nasceu em 1746 na Fazenda do Pombal, localizada entre a Vila de São José, hoje a cidade de Tiradentes, e São João Del Rei. Era filho do português Domingos da Silva Santos e da brasileira Maria Antonia da Encarnação Xavier. Quarto filho entre sete irmãos perdeu a mãe aos nove anos e o pai aos onze. Sua família, com muitas dívidas, ficou sem a pequena propriedade onde vivia. Joaquim, menor de idade, acabou sob a tutela de um padrinho, cirurgião, residente na cidade de Vila Rica, hoje Ouro Preto. Trabalhou como mascate e minerador. Foi sócio de uma botica de assistência a pobreza na Ponte do Rosário, em Vila Rica, e se dedicou também às atividades farmacêuticas e ao exercício da profissão de dentista, o que lhe valeu o apelido de Tiradentes. Na carreira militar tinha o posto de Alferes, correspondente hoje ao de segundo tenente e serviu no Regimento de Cavalaria Paga (os Dragões) da Capitania das Minas Gerais. Solteiro, teve uma filha com uma viúva de nome Joaquina. Considerado líder da Inconfidência Mineira, Tiradentes foi preso na Rua dos Latoeiros, hoje Gonçalves Dias, no Rio de Janeiro, quando divulgava os ideais revolucionários de tornar o Brasil uma nação independente.
Visitamos a cela onde Tiradentes ficou confinado. Muito bem cuidada, fica nas instalações do atual Hospital Central da Marinha, na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Dali foi transferido para a Cadeia Pública da cidade, conhecida como Cadeia Velha, demolida em 1922 (próximo do atual prédio da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), de onde Tiradentes partiu para ser executado, por enforcamento, na praça que hoje leva o seu nome.
A Marinha do Brasil tem sob a sua guarda um dos mais importantes sítios históricos brasileiros. Foi emocionante adentrar aquela masmorra, escura, fria e úmida, sabendo que há mais de dois séculos o nosso herói maior ali padeceu pela liberdade do Brasil. Respiramos por alguns minutos o ar malcheiroso proveniente da umidade que emana das paredes de pedra. Chegamos às lágrimas, face ao clima e à emoção que paira no ar.
Hoje, 21 de abril de 2021, o sacrifício do Alferes Tiradentes completa 229 anos. Pela Lei nº 4.897, de 9 de dezembro de 1965, José Joaquim da Silva Xavier foi proclamado “Patrono Cívico da Nação Brasileira”.
No passado, a data era muito comemorada e objeto de amplo noticiário da mídia. Nos dias atuais, um sinistro e lamentável silêncio se abate sobre a saga do Mártir da Independência e o sonho de liberdade dos Inconfidentes. Há um claro propósito de ignorar ou, até mesmo, reescrever, ao arrepio da verdade, alguns dos mais relevantes episódios de nossa história. Ao mesmo tempo, os heróis autênticos são esquecidos. Já imagem do assassino argentino, travestido de cubano, “Che” Guevara, campeia, livremente, em camisetas, nas salas de aula e muros de inúmeras instituições de ensino. As ações deletérias de maus brasileiros vilipendiam o sacrifício de Tiradentes e de tantos outros vultos que deram suas vidas à nação. Aliás, como verdadeiros vampiros de Hollywood, fogem assustados da palavra PÁTRIA.
Nos dias atuais, em meio a uma tragédia sanitária sem precedentes em nossa história, o Brasil se debate numa grave crise político-institucional onde os derrotados na última eleição presidencial, em aliança macabra com o que se existe de pior no Judiciário e no Legislativo, procuram, agora ostensivamente e sem qualquer escrúpulo, violentar a vontade da maioria do povo brasileiro em sua opção de governo e de projeto de nação. Tentam, descaradamente, ao arrepio da Lei e da soberania da vontade popular, inviabilizar a atual gestão governamental através de procedimentos indecorosos – e por vezes criminosos – cujo objetivo é nitidamente golpista.
O sacrifício do Alferes Tiradentes deve ser celebrado, com o merecido destaque, pelos verdadeiros patriotas. Seu martírio, em última análise, retrata os ideais de liberdade e soberania de nosso povo, gente humilde e trabalhadora, que repudia qualquer tentativa de condução do país por caminhos que não se coadunem com os princípios democráticos e cristãos que forjaram a nação brasileira.
“Libertas quae sera tamen”
(Liberdade ainda que tardia)
* o autor é professor, historiador e Oficial da Reserva do Exército. É Patrono, fundador e ex-presidente do Conselho Nacional dos Oficiais da Reserva (CNOR). É membro da Academia Brasileira de Defesa, da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e do Instituto Histórico de Petrópolis. É presidente do Conselho Deliberativo da ANVFEB. O artigo é pessoal e não representa – necessariamente – o pensamento das entidades mencionadas.