“A rota traçada por Vasco da Gama utilizou a Volta ao Largo Pela Primeira Vez na história de navegação à vela no Atlântico Sul. Nesta manobra, os navios, após passarem pelas ilhas do Cabo Verde, rumam para sudoeste, aproveitando-se da corrente do Brasil e dos ventos do flanco esquerdo do anticiclone subtropical do Atlântico evitando numerosas dificuldades que encontrariam no percurso ao largo da costa africana”
INOCCENTINI, Valdiri et alii, 2000.
Cabo Verde é uma nação localizada em um arquipélago vulcânico perto da costa noroeste da África. O país é conhecido por sua cultura crioula luso-africana, sua tradicional música morna e suas várias praias. A maior ilha do país, Santiago, abriga a atual capital, Praia. Em Santiago, também se encontra a antiga capital, Cidade Velha, com o Forte Real de São Filipe, que fica no topo de um penhasco. Nesta nação de Cabo Verde nasce um herói Simão Manuel Alves Juliano, natural da Penha de França, Concelho da Ribeira Grande, ilha de Santo Antão, filho de Manuel Alves Juliano e de Ana dos Santos Pedrinho, conhecido como Simão Salvador o intrépido marinheiro.
O esquecido Herói CABO VERDIANO da Marinha Brasileira.
O Marinheiro Simão Manuel Alves Juliano, nascido na Ilha de Santo Antão, em Cabo Verde. Descrito na Impressa como “indómito lobo do mar, filho ilustre de Cabo Verde”.
Em 1852, imigrou para o Brasil, onde foi recrutado marinheiro, servindo na Esquadra Imperial a bordo do vapor “Pernambucana” que naufragou durante uma tempestade próximo ao Cabo de Santa Marta, em 8 de outubro de 1853. Já salvo em terra, Simão decidiu voltar ao mar, resgatando os treze sobreviventes, entre eles um idoso cego. O feito de sua bravura se espalhou pelo Brasil e por Portugal, amplamente divulgado pela imprensa da época, passando o Marinheiro Simão a ser chamado de “Simão Salvador”.
O Jornal “Marmota Carioca” descreve a Aclamação do Povo ao Herói: “No Rio de Janeiro foi acolhido com ruidosas manifestações de admiração e simpatia. Profundamente emocionado, com os olhos rasos de lágrimas, o bravo Simão mal pode esboçar uma palavra de agradecimento a tanta demonstração de apreço, que lhe era tributada, por onde passava.”
Conhecedor do ato de bravura de Simão, Sua Majestade o Imperador do Brasil, dignou-se chamá-lo à sua presença e tratou-o com todas as honras e deferências, conferindo-lhe uma medalha de ouro que ostenta no anverso a sua Imperial Efígie e no reverso o dístico – “Ama ao próximo como a ti mesmo” (Alvará de 9 de dezembro de 1853). ”
Das próprias mãos de Sua Majestade o Imperador, recebeu Simão Salvador a medalha. Ao impô-la no peito do valoroso marinheiro o Imperador abraçou-o, enaltecendo as virtudes do homenageado. ” Dom Pedro II também ofereceu a Simão uma quantia generosa de oito contos de Reis, mas o prêmio foi recusado pelo marinheiro, dizendo que não fez mais que sua obrigação, de salvar as vidas de seus irmãos Brasileiros.
Não poderia ser indiferente ao Governo Português os relevantes serviços prestados por Simão Salvador e, assim, por Decreto de 14 de Dezembro de 1853 Sua Majestade El-Rei, Dom Pedro V, em “atenção ao acto de heroismo e filantropia que praticara com grande risco da própria vida e em testemunho público do grande apreço em que tem tão relevante serviço prestado ã humanidade» o premiou, fazendo-lhe mercê de uma medalha de ouro, mandada executar especialmente, a qual contem à frente a efígie de Sua Majestade D. Maria II e no reverso ao centro, entre duas palmas — Ao MÉRITO — FILANTROPIA — GENEROSIDADE e em volta AO SÚBDITO PORTUGUES SIMÃO 7 de Outubro de 1853.”
Simão ganhara assim uma posição de proeminência jamais vista por um negro no mundo Luso-Atlântico: era um estimado conviva do Imperador do Brasil, um leal súdito da Monarquia Portuguesa, um digno colono de Cabo Verde e, acima de tudo, um cidadão detentor das virtudes da civilização ocidental, essa pátria que “não está em nenhum mapa; pois os verdadeiros lugares nunca o estão”. Tamanha foi a repercussão do feito que conveio ao Barão do Rio Branco, quase meio século depois, inclui-lo entre seus registros “Efemérides Brasileiras”:
1853 – Naufrágio do vapor Pernambucano.O comandante encalhara o vapor em frente ao arroio da Cruz, entre a ponta de Santa Maria Grande e a barra do Araranguá. Pereceram 42 pessoas. O marinheiro Simão, prêto, fêz a nado, debaixo de terrível temporal, 26 passagens entre o navio e a praia, salvando 13 vidas. O Governo coneedeu-lhe uma medalha de honra. Na Illustration Française encontra-se o retrato desse herói.
Para além do heroísmo de seus atos, Simão Juliano também entrou para a História do Brasil por outro motivo, igualmente nobre, mas em que ele seria então mais um objeto do que um sujeito dos fatos – a campanha pelo abolicionismo. Ocorre que, num país escravista, como era o Brasil da época, causava desconforto a certos setores da sociedade o fato de o herói do dia ser negro livre.
A própria recepção de Simão pelo imperador no Palácio São Cristovão marcava os limites do negro livre no período. A cerimônia de acolhimento e condecoração de um negro livre por D. Pedro II apresentava-se como eloquente oportunidade de transmitir o progresso do Império brasileiro no equacionamento do problema escravagista no Brasil.
A Marmota Fluminense de 18 de novembro de 1853. p. 1. Publica este artigo: “A virtude não tem cor”. Reforça-se no poema alguns traços importantes do ato para a campanha abolicionista: a existência de um trabalhador negro e livre, a busca de engajamento da instituição monárquica na campanha abolicionista, a igualdade de sua condição à luz da ética cristã. “A virtude não tem cor”, ao final do poema, é a epítome do discurso de Paula Brito, marcando evidente contraponto às teorias de darwinismo social, que ecoava em alguns meios intelectuais da época. (ver em post scriptum).
Anos depois de seu ato de heroísmo, Simão decide voltar a sua terra natal em Cabo Verde, onde também foi recebido como Herói. Faleceu em Ponta do Sol, ilha de Santo Antão, em 1873.
Almirante Tamandaré e Simão Salvador o “intrépido marinheiro”: momentos de heroísmo do passado para gerações futuras.
Segundo Alcy José de Vargas Cheuiche no livro “O velho marinheiro”; Quando o Tamandaré vai à Inglaterra buscar o primeiro navio brasileiro a vapor, um momento fantástico, ele sai com o navio e convida a irmã do imperador, a princesa Francisca e o marido dela que era, inclusive, almirante francês, para fazer um test drive. Saíram com o barco, sem nenhum problema, ele era um marinheiro experiente, sabia que o tempo estava bom. Acontece que encontram um navio que tinha saído de Liverpool em direção aos Estados Unidos, e que pegou fogo e alto mar, o Ocean Monarch. Ele hesitou, porque não queria colocar em risco a vida da princesa, mas como o barco não era a vela e sim a vapor, fez a aproximação para salvar a tripulação e os passageiros do navio em chamas. Isso tudo é histórico, não tem nada de ficção. As descrições dos jornais brasileiros, dos arquivos da Marinha e outros, são de altíssimo nível, a coragem dos marinheiros, que salvaram mais de cem pessoas.
Simão Salvador o “intrépido marinheiro” e coesão com Almirante Tamandaré dois destemidos abolicionistas.
Alcy José de Vargas Cheuiche acrescenta a dedicação do Almirante Tamandaré a abolição. Este autor atesta: Fui estudar a vida dele antes e ele me convenceu, principalmente por ser abolicionista. Sou adepto, fã, seguidor do Castro Alves. Tinha dez anos, já declamava inteiro O Navio Negreiro. Ele também admirava o Castro Alves, que foi o braço para a Princesa Isabel. Uma coisa que ninguém conta é que ele recebeu esse título de Marquês no dia 13 de maio de 1888. Eles sabiam que, no momento que fizessem a Abolição, estavam tirando a coroa da cabeça dela. Como dizia o Maquiavel, tire a liberdade de um homem, mas não mexa no seu bolso. A Abolição mexeu. Foram libertados 700 mil escravos.
Abaixo, em sua carta testamento é possível ver uma personalidade humilde, que se confraterniza com os escravos libertos pela Lei Áurea, além de deixar transparecer a grande admiração que sentia por D. Pedro II e a Princesa Isabel. Almirante Tamandaré é, com justiça, o patrono da Marinha brasileira, e um dos grandes da nossa História.
Carta Testamento do Almirante Tamandaré com sinergia ao Simão Salvador o “intrépido marinheiro”
“Não havendo a Nação Brasileira prestado honras fúnebres de espécie alguma por ocasião do falecimento do imperador, o senhor D. Pedro II, o mais distinto filho desta terra, tanto por sua moralidade, alta posição, virtudes, ilustração, como pela dedicação no constante empenho ao serviço da Pátria durante quase 50 anos que presidiu a direção do Estado, creio que a nenhum homem de seu tempo se poderá prestar honras de tal natureza, sem que se repute ser isso um sarcasmo cuspido sobre os restos mortais de tal indivíduo pelo pouco valor dele em relação ao elevadíssimo merecimento do grande imperador.
Não quero pois, que por minha morte que me prestem honras militares, tanto em casa como em acompanhamento para sepultura.
Exijo que meu corpo seja vestido somente com camisa, ceroula e coberto com um lençol, metido em um caixão forrado de baeta, tendo uma cruz na mesma fazenda, branca, e sobre ela colocada a âncora verde que me ofereceu a Escola Naval em 13 de Dezembro de 1892, devendo-se colocar no lugar que faz cruz a haste e o cepo um coração imitando o de Jesus, para que assim ornado signifique a âncora-cruz, o emblema da fé, esperança e caridade, que procurei conservar sempre como timbre dos meus sentimentos. Sobre o caixão não desejo que se coloque coroas, flores nem enfeites de qualquer espécie, e só a comenda do cruzeiro que ornava o peito do Sr. D. Pedro II em Uruguaiana, quando compareceu como primeiro dos voluntários da pátria para libertar aquela possessão brasileira do jugo dos paraguaios que a aviltavam com sua pressão; e como tributo de gratidão e benevolência com que sempre me honrou e da lealdade que constantemente a S. M. I tributei, desejo que essa comenda relíquia esteja sobre meu corpo até que baixe à sepultura.
Exijo que não se façam anúncios e nem convites para o enterro de meus restos mortais, que desejo sejam conduzidos de casa ao carro e deste à cova por meus irmãos em Jesus o Cristo que hajam obtido o fórum de cidadãos pela Lei de 13 de Maio. Isto prescrevo como prova de consideração a essa classe de cidadãos em reparação a falta de atenção que com eles se teve pelo que sofreram durante o estado de escravidão; e reverente homenagem à grande Isabel Redentora, benemérita da pátria e da humanidade, que se imortalizou libertando-os. (grifo nosso).
Exijo mais, que meu corpo seja conduzido em carrocinha de última classe, enterrado em sepultura rasa até poder ser exumado, e meus ossos colocados com os de meus pais, irmãos e parentes, no jazigo da família Marques Lisboa.
Como homenagem à Marinha, minha dileta carreira, em que tive a fortuna de servir a minha pátria e prestar alguns serviços à humanidade, peço que sobre a pedra que cobrir minha sepultura se escreva:
“Aqui jaz o velho marinheiro”.
Almirante Joaquim Marques Lisboa
A Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra no estado do Ceará agradece o Sr. Embaixador, José Pedro Chantre D’Oliveira por sua insigne participação de posicionar na República do Cabo Verde a estátua do Almirante Joaquim Marques Lisboa, Marquês de Tamandaré, o Patrono da Marinha do Brasil sob os auspícios de um velho marinheiro que realizou este legado em Fortaleza e agora em além mar! A doação em Cabo Verde foi realizada pela Reserva do Almirante por seu presidente veterano fuzileiro naval Carlos Henrique Guts de Moura. A marinha estará doando em breve a ilha de São Vicente, na cidade de Mindelo, CV, com a anuência do presidente da Câmara e prefeito Augusto Neves e com a base edificada pela construtora SGL este momento histórico.
A Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra “do Dragão do Mar ou do Chico da Matilde” como afirma o ilustre Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos, convida a todos a conhecerem mais de perto esse valioso patrimônio cultural e histórico da República do Cabo Verde de nosso Brasil Continental para atuais e das futuras gerações!
Post scriptum:- A Virtude não tem côr.
SIMÃO, que era marinheiro,
E de preto tinha a cor,
Natural de Cabo Verde,
Homem de força e valor;
(…)
Cada qual busca salvar-se,
E salvar o que era seu;
Ninguém pelos mais arrisca
A vida que Deus lhe deu!
SIMÃO que, sendo já livre,
Podia o mesmo fazer,
Porque tinha, como os outros,
Uma vida que perder;
Para o vapor vai da praia
Nadando, gente buscar,
E dele à praia conduz
Náufragos… sempre a nadar!…
(…)
Nosso Monarcha é o primeiro
Em dar o exemplo sublime,
De que Elle fazer não sabe
Da côr dos homens um crime.
Se o que salva uma só vida
Tem prêmio, e título de glória,
O que treze vidas salva,
Que nome terá na história?
Ninguém a SIMÃO despreze
Ninguem lhe negue o louvor
SIMÃO fez actos divinos;
– A Virtude não tem côr.
COR UNUM ET ANIMA UNA PRO BRASILIA – CONHECER O BRASIL PARA MELHOR SERVI-LO
Fonte: Marinheiro Simão Salvador, Brito Semedo. O Rio de Janeiro: sua historia, monumentos, homens notáveis, 1877.
Simão Salvador: Um heroi africano na campanha abolicionista brasileira, Bruno Miranda Zétola1
Alcy José de Vargas Cheuiche. O velho marinheiro – A história de vida do Almirante Tamandaré (L&PM, 360 p).